Toni Ramos Gonçalves*

Maria Firmina dos Reis, nascida em São Luís do Maranhão, em 1822, autora de Úrsula (1859), é considerada a pioneira da Literatura Afro-Brasileira. Seu livro figura como o primeiro romance abolicionista, de autoria feminina, em Língua Portuguesa, algo revolucionário para seu tempo e, provavelmente, o primeiro romance publicado, na América Latina, por uma mulher negra. Na obra, a escritora narra um triângulo amoroso entre protagonistas negras que questionam o sistema escravocrata.
Apesar de sofrer muito com o racismo e o preconceito tanto na vida como na Literatura, Maria Firmina dos Reis foi a primeira mulher a ser aprovada para o cargo de professora do Ensino Primário no Maranhão, tendo alcançado tal feito aos 25 anos.
Com rosto ainda desconhecido, teve o busto em sua homenagem, em São Luís, moldado de forma errônea, trazendo uma escritora “embranquecida”, de nariz fino, rosto alongado e cabelos lisos.
Sua imagem atravessou décadas sendo registrada de modo equivocado, ora rebatizada e, por vezes, “embranquecida”, sendo confundida com outras personalidades oitocentistas, como a escritora gaúcha Maria Benedita Bormann (1853-1895). Mas, apesar das controvérsias, nada reprimiu a força de sua obra.
Racismo e preconceito racial no Brasil é um tema complexo e requer disposição para o diálogo. Os maiores problemas que o país enfrenta hoje foram plantados ontem e seus cultivadores deixaram uma legião de descendentes e seguidores. O problema racial abrange, também, a Literatura brasileira. Um caso de racismo e preconceito recente, na Literatura, ocorreu em novembro de 2021. Uma professora foi afastada, em um colégio em Salvador, depois de ter indicado a seus alunos a obra Olhos D’água (2014) de Conceição Evaristo, livro que é objeto de diversos estudos acadêmicos. A escola alegou que os familiares se sentiram desconfortáveis com a obra “por acharem a linguagem inapropriada para a faixa etária“.
De acordo com o escritor e professor CUTI (2010) a literatura é um fazer humano, um poder, poder de convencimento, de alimentar o imaginário, fonte inspiradora do pensamento e ação. Quando é interpretada, avaliada, legitimada ou desqualificada, fica aberto o leque de sua recepção, leque este se se altera no decorrer do tempo em face de novas pesquisas.
Assim, a Literatura Afro-Brasileira, ao abordar temáticas antirracistas, mostra toda a sua importância e necessidade, pois muda o discurso da meritocracia e se torna porta-voz de denúncias contra a violência, a pobreza, as relações escravocratas (de um passado ainda presente), as imagens estereotipadas sobre a sensualidade dos negros, as piadas racistas, entre outras afrontas que silenciam e apagam a história dos afrodescendentes.
Voltando nosso olhar para mais perto, em Itaúna, vemos algo parecido com o apagamento do negro na Literatura local, por parte de historiadores elitistas, que, em raros momentos (ou quase nenhum), citaram, em seus livros, personalidades afrodescendentes.
O historiador itaunense João Dornas Filho (1902-1962), que era afrodescendente, foi quem mais dedicou páginas à população negra em suas obras. Esse excelente escritor que, aos poucos, vem tendo sua memória apagada na cidade (Não existe mais a Escola João Dornas Filho), fez parte do Movimento Modernista de 1922, por meio da revista denominada Leite Criôlo (1929), de significativa circulação em Minas Gerais, o que ampliou a visibilidade da Literatura Afro-Brasileira.
Em uma conversa intimista com alguns escritores e historiadores itaunenses, com o objetivo de identificar as escritoras itaunenses afrodescendentes, que publicaram um livro ou participaram de alguma antologia, deparamos com a grande dificuldade de acesso aos documentos históricos, pois o melhor acervo da cidade é particular, e não existe um horário de atendimento aos pesquisadores.
As pesquisas continuam, mas a princípio, encontramos alguns nomes de escritoras afrodescendentes. Uma delas é Vera Alice dos Santos, falecida em 2020. Ela participou da Semana da Arte, promovida pela Universidade de Itaúna, em setembro de 1981, obtendo o segundo lugar com o poema “Isso sou eu”. Foi uma voz preta no meio de uma elite branca e universitária. No início dos anos de 1990, fez parte da Antologia dos Poetas Itaunenses. Marcou presença nas Coletâneas organizadas pelo Grupo de Escritores Itaunenses: Essências (2014), Olhares Múltiplos (2016) e Hipérboles (2017). Durante a minha gestão na presidência da Academia Itaunense de Letras, Vera Alice dos Santos foi convidada a ser membro da entidade e ocupou a cadeira de Guaracy Nogueira de Castro.

Outra escritora é Zanilda Gonçalves, que publicou sua dissertação Nos Bastidores do Teatro Infantil (2002). A professora Ana Alves Vieira dos Reis, uma das pioneiras em Itaúna na educação, também foi citada por suas publicações científicas. Atualmente, a poeta Beth Sousa, frequente nas coletâneas organizadas pelo Grupo de Escritores Itaunenses, é a voz afrodescendente feminina com mais destaque na Literatura itaunense.
Apesar dos baixos os índices de leitura do Brasil muita gente vem produzindo literatura, principalmente a Afro-Brasileira, tendo seus escritores premiados e campeões de venda, como o livro Torto Arado (2018), de Itamar Vieira Júnior, vencedor de vários prêmios literários. Vale citar algumas escritoras que vem se destacando no cenário literário nacional. São elas: Djamila Ribeiro, Eliana Alves Ribeiro, Mel Adún, Cidinha da Silva, entre muitas outras.
A expressão literária é vital, independente qual nome ela venha ser classificada, pois a cultura não tem cor, e cumpre sua principal função, que é ser arma de resistência.

* Toni Ramos Gonçalves é escritor e ex-presidente da Academia Itaunense de Letras. Graduando em Jornalismo e História.
NOTA: Pesquisas recentes indicam que Nísia Floresta deve ter sido a primeira a lançar um romance abolicionista no país, com a publicação em folhetim, entre 14/03 e 30/06 de 1855, n’O Brasil Ilustrado, de seu romance Páginas de uma vida obscura, a respeito da existência dramática de Domingos, escravo congolês trazido ainda na infância para o Brasil.