Toni Ramos Gonçalves

Alice está na cama, adormecida. Adora cochilar depois do almoço de domingo. Dorme de flanco, pernas flexionadas, anca saliente sob o lençol. Uma luminosidade opaca entra pelo janelão e divide o quarto ao meio, o claro e a sombra. Junto ao vidro, observo a chuva que cai intensamente sobre a cidade. Respiro fundo e penso novamente no envelope com as fotos que furtivamente escondi, entre vários papéis, na última gaveta da escrivaninha, bem ali ao lado, no escritório.
A desilusão chegou ontem à tarde por volta das dezesseis horas. Veio, mas não sem antes avisar. Pois bem me lembro da noite em que a conheci, naquela boate barulhenta e enfumaçada. Aquela mulher dançando sensualmente diante de mim, alegrando absurdamente meu coração. Era mais um perigo iminente. Ah! Se eu pudesse voltar no tempo, teria pagado o meu drinque, ido embora, evitando, assim, maiores despesas com o destino. Mas o meu coração apressado e algumas doses de uísque me levaram à pior besteira que fiz na minha vida cheia delas.
Passamos a viver juntos e agora olhe para mim. Trancado neste quarto, enquanto tudo se esvai. Olho em volta e as lembranças da nossa curta história parecem apressar o meu fim. Aqui, sobre a cabeceira, está aquela tarde quando compramos este abajur de cerâmica em uma lojinha minúscula, no Mercado Central. Os donos eram um simpático casal de ex-hippies. Era um dia como hoje. Chovia quando saímos com o embrulho nas mãos. Nos abraçamos. Os agasalhos traziam um calor agradável, quase humano. Estávamos há uma semana juntos e eu não podia mais viver sem ela.
Ali pendurada na parede está um dia em Búzios. Após a praia, almoçamos em um restaurante na Avenida Beira Mar, que pertencia a um velho pintor. Champanhe, frutos do mar, carinhos e beijos. Duas semanas juntos. Ela se impressionou com o quadro a óleo em exposição. Achei de certo mau gosto, mas ela insistiu, então o comprei. Faria qualquer coisa para agradá-la.
Ali no porta retratos, está a noite em que ela falou pela primeira vez que era minha. Foi durante um jantar esplêndido, no Clube Tropical. Durante um longo beijo, ela sussurrou as palavras em meu ouvido:
– Eu te amo!
Não me recordo de ter experimentado emoção semelhante. Naquela mesma noite, fizemos amor pela primeira e única vez. Foi tão intenso. Agora está tudo acabado. Ontem, às duas horas, recebi a ligação:
– Já terminei a investigação.
O detetive particular correspondia perfeitamente à imagem que eu fazia de um profissional do seu ramo. Um tipo sórdido, mas muito competente, enriquecendo-se esmiuçando os podres alheios, as fraquezas humanas.
Marcamos o encontro para o fim da tarde, em um bar discreto, na periferia. Ele abriu a tal pasta e mostrou-me toda a sujeira. Fotos, vídeos e relatórios. Tinha os horários dos encontros e os codinomes dos amantes.
– Lamento, mas sua mulher está lhe traindo. Por questão de ética, não posso dar os nomes verdadeiros dos amantes. Sinto muito! – disse o detetive, como se conhecesse alguma ética.
Então ele despejou todas aquelas fotos sobre a mesa com os encontros amorosos dela. A maioria dos amantes eu conhecia, não precisava dos nomes para alimentar ainda mais a minha fúria.
Exatamente hoje, pela manhã, ela disse que iria embora. Minha deusa do amor! Enlouqueci. Antes do almoço, coloquei no seu suco natural algumas pitadas de veneno comprado no mercado negro, o qual, segundo o rótulo, mata em até trinta minutos. Depois, me retirei, dizendo estar indisposto. Ela continuou em silêncio, como tem ficado nos últimos dias e se dirigiu para o quarto.
Meia hora depois a encontrei dormindo como um anjo, encoberto pela cabeleira loira, mantendo toda sua beleza. Meu coração se parte, mas só há um deserto de alternativas quando se está prestes a perder a mulher da sua vida. E o deserto é ainda mais desolador e hostil quando essa mulher se vai. Deito-me ao seu lado segurando sua mão fria e sem vida.
– Ah, Alice! Foste tão igual e tão diferente de todas as outras, todas jovens humildes do subúrbio, deslumbradas com a vida de luxo e conforto que eu lhes dava!
Olho em volta e lá estão os objetos que me recordam de algumas delas. O relógio de mesa, comprado na feira artesanal, me lembra de Regina. Pobre Regina! Tão linda em sua melancolia! Nunca consegui entender seu suicídio.
Já aquele quadro da feirinha da Avenida Afonso Pena em Belo Horizonte me recorda Raquel. A impetuosa e determinada Raquel! Parecia conter a intensidade de cada sílaba do seu nome. Poderíamos ter sido muito felizes, não fosse aquele terrível acidente ao tentar fugir de mim, naquela noite de chuva!
E também aquela escultura de um antiquário, comprado em São Paulo, me lembra de Sílvia. A doce e delicada Sílvia! Coitada! Preciso visitá-la mais uma vez na clínica psiquiátrica!
– Oh, minha sedutora Alice! Nem o diabo se atreveria abandonar um homem como eu. O lado racional dessa cabecinha de vento deveria ter-te advertido sobre o risco que você estava correndo, meu amor! Puxa, benzinho! Quantas vezes provei a dimensão do que sentia por você! As surras que lhe dei, por exemplo, eram uma forma de demonstrar o meu ciúme, coração! Se eu lembrava, a todo instante, cada centavo gasto contigo, era para mostrar-te o quanto a valorizava, meu docinho de coco! E por tudo que fiz por você, o meu alcoolismo, a minha impotência, os meus surtos e os quase quarenta anos de idade que nos separam, você devia ter superado… Eu não merecia mesmo… Você não podia ter feito isso comigo, minha querida!
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