Sérgio Thorres
SINOPSE: Em suas idas e vindas J.P deseja consertar algo que supostamente saiu errado e assim salvar Cléo, mesmo que lhe custe a própria vida. Para que isto aconteça conta com a ajuda inusitada de Geena, porém, só resta uma única chance…

PARTE 3
Já do lado de fora senti que a última porta se movimentava. O senhor Fred, ao sair, virava-se para trancá-la quando o vi e, numa agilidade inexplicável, corri em silêncio atravessando o corredor. Acho que não fui visto. Tive a ligeira impressão de que ele tinha se virado na minha direção. Em instantes, a porta da sala de insumos foi aberta. Ele entrou quando eu segurava a última embalagem. “Terminei”, falei logo que o vi perto. Perguntou-me se estava tudo em ordem, e afirmei dizendo que eram muito cuidadosos com os produtos.
Notei nele uma preocupação e sabendo o porquê… “Acho que as luzes piscaram”, menti justificando as portas. Disse estar aliviado ao me ouvir, pois algumas delas estavam abertas. Percebi então que fui convincente. Um bom ator.
Saímos da sala. Enquanto caminhávamos, notei que ele mantinha a mão direita sobre o cabo do revólver, mesmo se mostrando tranquilo, parecia temer algo. Acho que meu nervosismo foi maior. Ver como segurava firme aquele cabo escuro, era o motivo de eu estar tenso. Não via a hora de sair dali. “Quem diria que um dia faria algo daquele tipo!”, pensei com o coração acelerado.
A atendente, ao nos ver, se mostrou tranquila. Também sorridente. Agradeci sendo prudente com as palavras e segui pro estacionamento. Logo que saí, olhei pra trás, discreto, e percebi que ainda era observado. O senhor Fred imaginava algo sobre mim. Desejei correr, mas acho que passaria uma má impressão. Me contive e continuei a caminhar. Em meus pensamentos, a possibilidade de ter provocado alguma alteração no C.P.M era uma dúvida. Somente quando estivesse no futuro é que comprovaria o sucesso da missão.
Não via a hora de retornar, mas temia não ter conseguido como das outras vezes. Voltar ao presente e rever Cléo rodeada por instrumentos mantendo-a viva, trazia agonia, talvez por saber que o passado poderia ser alterado. Não era uma mera perspectiva de um cientista maluco e sim algo verídico. Já havia voltado outras vezes. Apenas causara pequenas alterações, e, segundo Geena, foram cruciais para o bom andamento do plano.
Precisava voltar pro meu próprio tempo. Estar ali não era prudente, mas desejava ver Cléo mais uma vez. Ainda com receio de ter perdido a última chance de salvá-la, fui pra seu apartamento. Com certeza, a encontraria lá e quem sabe trocássemos algumas palavras apresentando-me como um vendedor, talvez. Enquanto dirigia pelas ruas escorregadias a baixa velocidade, tecia esses pensamentos, mas o risco de causar algo ruim no futuro era grande. Com receio, decidi ir pra casa e dar por encerrada aquela missão.
Ao entrar no estacionamento, senti um cansaço anormal. Logo ao parar, fui pego por uma sonolência diferente. Debrucei no volante e fechei os olhos. A viajem acontecia nos meandros da memória e, para que isso acontecesse, deveria estar desacordado. O sono funcionava como ponte. Interligava passado e presente.
Naquele breve cochilo, voltei…
O gosto do Composto Polarizador de Memórias, embrulhava o estômago. Não tinha como explicar. Sabia que por horas sentiria aquele gosto amargo, doce, azedo e gelado. Mas, frente aos benefícios, dava pra suportar. A sensação de rever pessoas que marcaram minha existência, era muito boa. Mas, naquele momento, ao acordar em meio ao paladar ruim, vi o jornal que noticiava a enfermidade de Cléo. Ela estava no mesmo lugar. Eu ainda sentia o frio do passado em minhas entranhas. Reações normais por ter ficado a baixa temperatura por longas horas. A sensação de impotência e de não ter conseguido associada ao medo de, talvez, ser o causador de algo ruim, veio forte. Estendi o braço até o jornal, e o aperto no coração foi maior. A notícia continuava lá do mesmo jeito, o que comprovava o fracasso da missão.
Passar por tudo aquilo, e não ter o resultado esperado, foi uma decepção. Relendo os detalhes daquela reportagem, foi difícil conter a emoção. O choro foi inevitável. Vinha fraco, silencioso e frequente. Desconectei o Capacete Indutor. Depois de sentado, levei a mão ao pescoço e senti um pequeno calombo. A picada da agulha também incomodava. Não sabia que rumo seguir. Meu corpo não aguentaria outra viagem, pelo menos naqueles dias. Minha memória começava a ser afetada pelo C.P.M. Era perigoso me submeter ao processo novamente, mesmo já estando aprimorado. Meu organismo necessitaria de mais tempo, o que Cleonice não tinha. Estava em coma há um longo período.
Então desejei vê-la, mesmo que em um leito de hospital. Segui rápido. As luzes foram minhas companheiras. Não sabia se conseguiria entrar fora do horário de visitas. No caminho, flashes das ruas congeladas pela nevasca vinha contra minha visão que, naquele momento, mostrava o asfalto negro e seco. Meu corpo exprimia leves tremores. Ainda eram os efeitos da viajem ao passado. A temperatura continuava uma constante em minhas memórias. “Se Cléo foi salva, já era pra eu ter me lembrado. Se não me lembrei é sinal de que realmente não foi salva, está no mesmo quarto e conectada aos instrumentos que a mantém viva”, murmurei revoltado.
Difícil nomear meus sentimentos naquele momento. Raiva, frustração, indignação, revolta, tristeza, incerteza do que fazer. Uma mistura de emoções que surgia a cada segundo. Por vezes, senti as faixas amarelas da avenida principal esconder por debaixo dos faróis obrigando-me a desviar pra não colidir com outro veículo.
Por fim, cheguei ao hospital. Entrei afoito e fui barrado pelo porteiro. Insisti em ver Cléo. Ele afirmou não ser possível, ordens da doutora Geena Kirsten. Então desejei ver Geena. Desconfiado, me deu o endereço. Não era longe. Precisava de respostas. Fui rápido. Por certo, fui mais cauteloso ao volante. Desejava chegar lá com vida. A lembrança da sala de Geena surgiu como explicação de que ela saberia dizer o porquê de meu retorno não ter dado certo.
Cheguei ao endereço e segui para o que parecia ser um mirante. Uma luz fraca próxima a um banco de madeira mostrava a figura de uma mulher sentada. Meu coração acelerou. “Cléo!”, murmurei arregalando os olhos. Ela estava de frente pro mirante. Consegui notar somente a silhueta. Ainda pensando ser Cléo, aproximei-me mais e notei que trazia um penteado diferente. Não me lembrava de vê-la com aquele corte.
Naquele momento, uma brisa tímida mostrou que o frio tinha ido embora. Não tremi ao senti-la, talvez por estar com o sangue agitado pelo nervosismo. Aproximei-me mais, e a mulher, ao se levantar, virou-se na minha direção. “Geena?!”, disse surpreso ao reparar a dona daquele cabelo diferente. “E Cléo?”, falei com indignação. “Se sabia que não ia dar certo porque me incentivou a voltar?”, pensei olhando-a fixamente. “Oi, J.P”, falou olhando meus olhos de maneira pela qual jamais fui olhado. Percebi uma atração forte como se fosse sugado por aquele olhar enigmático. Havia algo diferente nela. No momento não soube desvendar aquele mistério. Outra surpresa para mim, mas, se fosse algo novo, não seria sobre Cléo, porque nossa pretensão era salvá-la, o que não acontecera, pois a notícia no jornal comprovou que ainda estava em coma.
Então Geena me abraçou forte. Depois disse ao pé de meu ouvido esquerdo da alegria em estarmos no local onde planejamos festejar nosso casamento. No mesmo instante, fui ao espaço e voltei. Me afastei e arregalei os olhos imaginando que, se éramos casados, o futuro fora alterado provocando aquilo. “Somos casados?”, falei assustado. Ela disse que sim, que havíamos nos casado, mas não um com o outro. Se casara com um dos médicos de Cléo. “E ela?”, insisti me lembrando do jornal. Afirmou que o quadro clínico era o mesmo. “Pra imprensa e pra todos, Cléo continua em coma desde que foi internada no dia em que vocês se casaram”.
“Então qual o motivo de eu ter voltado se ela não seria salva?”, insisti. Ela disse que continuava tudo do mesmo jeito, sempre fora o plano, provocar uma mudança no passado alterando apenas o necessário pra que o futuro pudesse prosseguir. “Não entendo!”, afirmei confuso. Falou, ainda me olhando diferente, que aquela Cléo que estava internada já não era a mesma…
Não compreendi aquela fala… Foi naquele momento que senti uma mão fria tocar meu braço direito…
FIM
Antonio Sérgio da Silva (Sérgio Thorres), nasceu em Itaúna, Minas Gerais.Possui formação técnica em “Eletroeletrônica” e seu gosto por “literatura fantástica e ficção científica” liberou seu lado criativo mostrando que não há idade para se começar algo. Ao longo de seus 51 anos, há dez como amante da escrita, vive em meio a escrita, tendo como princípio a saga “Filhos de Lhuxxor” (ficção científica). Participante da coletânea “Hipérboles“, (Editora Ramos).
Adorei seu conto. Fiquei apreensiva com JP em ação tentando salvar seu amor. Não consegui parar de ler. Parabéns
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Obrigada!
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Nossa, que desfecho maravilhoso!
Acho que vem mais coisa por aí, espero que sim, porque quero mais!
Adorei!!!
Parabéns pelo conto!!!
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Obrigada!
Já existe todo um contexto que envolve os três personagens.
O conto foi tirado de: “O Mirante da Ilha Ágape”. Um de meus trabalhos.
Não publicado, ainda!
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Parabéns pelo conto…ótimo desfecho…leitura instigante.
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Obrigada!
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Adorei sua escrita e esse enredo. Adorei a ideia de uma droga pra viajar no tempo enquanto a gente dorme. Me fez pensar no que os nossos sonhos são na verdade. Deu pra viajar. Fiquei presa a cada palavra. Parabéns.
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Obrigada!
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Gostei muito! Há tantos pontos intrigantes no conto, eu realmente queria ler mais!
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