Sérgio Thorres
Sinopse: Em suas idas e vindas J.P deseja consertar algo que supostamente saiu errado e assim salvar Cléo, mesmo que lhe custe a própria vida. Para que isto aconteça conta com a ajuda inusitada de Geena, porém, só resta uma única chance…

Antes, olhei pro jornal que ficava ao lado do sistema de controle. Toda vez que via aquela notícia sentia um aperto no peito. Ainda não conseguia acreditar que Cleonice estivesse em coma. Procurei uma posição confortável na poltrona, me conectei aos equipamentos e fechei os olhos até sentir uma picada no pescoço. Ainda temia que o procedimento de “regressão de memórias” me levasse pra outro lugar. Ouvindo o áudio que continha a data programada e sentindo um ardido gelado no pescoço, era difícil não fechar os olhos…
…Então acordei.
O gosto da derrota, por certo, me assombrava. Ao abrir os olhos, percebi que nada havia mudado. Se bem que meu retorno era apenas de dois anos. Em teoria, eu era o mesmo. Meu quarto também. Pelo menos o teto. Depois dos trinta, dois anos não faz muita diferença. Olhei pros lados, e tudo parecia normal, a não ser pela temperatura. Estava frio. E muito! Eu não tinha praticamente nenhuma lembrança de ter nevado naquele dia.
Ao reparar a cama, percebi algo que confirmava meu retorno. Ela era menor. Não tinha encontrado minha alma gêmea. Foi aí que a ficha caiu. Lembranças de que Cleonice aguardava num leito de hospital vieram fortes. O propósito de estar ali me veio como um solavanco na memória. Necessitava trocar os “Compostos”. O Laboratório Khinnyss ficava perto, e a troca deveria ser feita quando não houvesse ninguém lá. Fui orientado a seguir minha agenda à risca pra que não provocasse alterações no futuro. Sabia que não teria outra chance de salvar Cléo, e a mínima esperança de sucesso me alegrava, tanto que o frio já não me incomodava.
Enquanto tomava café, o telefone tocou. Um paciente afoito desejava descarregar suas mazelas em mim. Esse foi um desconforto que, às 7:30 da manhã, tive que resolver. Como sempre calmo, resolvi a situação. Um percalço normal pra quem escolheu a Neuropsicologia como profissão. Fiquei orgulhoso quando, ao montar meu consultório, vi meu nome na porta: “J.P.Vermont”. Outra confirmação de que voltara no tempo. Lembrei-me do paciente e de como resolver seu problema.
No caminho até o consultório, não percebi nada de anormal, somente que algumas lembranças referentes ao dia sumiram. Não me lembrava da nevasca, que era rara na região. O trânsito se arrastava, mas fluía bem. Aquela manhã de atendimentos foi tranquila. A cada paciente atendido a memória me ofertava uma solução como num passe de mágica.
Na hora do almoço, preparei o Composto Polarizador de Memórias (CPM) modificado. Enquanto manuseava os frascos e tubos de ensaio, lembranças das vezes que havia voltado e da beleza contagiante que Cléo emanava, quando jovem, me rondavam. A ansiedade em vê-la adulta e com saúde me angustiava. Por pouco não saí desembestado à sua procura. Acho que meu antigo estado depressivo rondava forte. Geena estava certa quando disse que o “Composto” poderia afetar meu cérebro. As lembranças vinham e iam numa velocidade incrível. Quase que não consegui dosar o preparo.
A tarde de atendimentos foi tranquila e, por sorte ou obra do destino, as duas últimas consultas foram desmarcadas. Fiquei alegre. Surgiu a chance de rever minha querida Cléo. Foi aí que a secretária me lembrou de um compromisso às 17 horas. Tinha que conferir a possível compra de um terreno onde seria construído o novo consultório. Era perto do centro da cidade. Agora encarava uma situação complicada. Precisava resolver o contrato de compra ou ver Cleonice. Um dilema. Um obstáculo. Não sabia como resolver. Se não seguisse a agenda à risca, poderia causar alguma alteração ruim no futuro. Então que caminho seguir? Como fazer duas coisas ao mesmo tempo? Pensei em ir mais cedo e resolver o contrato. Assim sobraria tempo pra cumprir a missão. Foi o que fiz.
O trânsito naquele momento, caótico por causa da nevasca que agora se mostrava inimiga, queria a todo custo me impedir de prosseguir. Fiquei quase uma hora entre os carros. Na primeira chance, e irado, dei meia volta e encostei na primeira vaga que vi. Decidi que, se o terreno tivesse que ser meu, o destino daria um jeito. Ainda parado e convicto, uma lembrança como que explodiu na minha cabeça. Cheguei a ficar meio atordoado. “Por causa da nevasca não consegui fechar o contrato”, ecoou a lembrança, o que comprovou o fato de o consultório estar no mesmo lugar no futuro. Com sorriso fraco, segui pro Laboratório Khinnyss.
Compreendi que o tempo controlava a situação. Fiquei alegre, pois percebi que estava no lugar certo e na hora certa. Minutos depois adentrava a recepção do Laboratório. Faltavam 15 minutos para as 17 horas. Estavam em final de expediente. Procurei a doutora Geena apresentando-me como um fornecedor de insumos. Enquanto a atendente foi chamá-la, segui o plano e fui pro toalete. Olhando fixamente no espelho, perdi alguns minutos tentando compreender aquilo tudo.
Nisso chegou a atendente mais a doutora e outra mulher. Eu, que saía do toalete, vi as duas acompanharem a atendente. Fiquei ao lado de uma folhagem. Geena apareceu, com um corte de cabelo nada comum, e mais atrás se achegava Cleonice. Minha querida e futura esposa Cléo! Há dias não a via tão bem. Bela, como sempre. Deu pra sentir seu perfume, mesmo à distância. Desejei chegar perto, mas ela não me conhecia, ainda. Geena, apesar do cabelo, possuía a mesma aparência. O tempo se mostrava parceiro.
Notei a atendente se explicar por ter anunciado alguém que não estava lá naquele momento. “Não posso ser visto por elas”, pensei. Tinha que encontrar um meio de entrar sem que percebessem. Lembrei-me do plano e aguardei que fossem embora. Percebi que Geena não perdia nenhum detalhe. Seu olhar estava fixo à sua volta. Procurava algo que desse suporte ao que a atendente acabara de dizer. Cheguei a pensar que fosse a mesma que, após o treinamento, me enviou pra tentar salvar Cléo. Vi que nela havia uma certeza de que aquilo funcionaria. Dava pra perceber que aquela que via sair entre risos ao lado de Cleonice o fazia pra encobrir algo. Só não sabia o quê…
Quando ouvi o carro delas saírem, apareci pra atendente com cara de otário, de quem perdeu a hora, de quem a deixou numa situação complicada frente à doutora. “O senhor não foi embora?”, falou logo que me viu. Senti em seu olhar vontade de me espancar, mas por ser educada seria incapaz de tamanha indelicadeza. Falei da doutora, e ela disse que acabara de sair, como se eu não soubesse! Desejei conversar com o responsável pelo setor de estoque. “Preciso que a questão seja resolvida, senão o fornecimento será suspenso”, afirmei sério.
Sem ter saída, entrou em contato com o responsável que se dispôs a me receber. O nome dele era Fred. Senhor Fred. Em minutos ele se apresentou com sua cara de mau e me conduziu pra sala de insumos. No caminho não cansava de me reparar. Parecia procurar algo. A sala ficava no corredor de dentro a três portas da sala que Cleonice trabalhava, onde eu deveria substituir os “Compostos”. Enquanto analisava embalagem por embalagem, notei que o senhor Fred estava tenso. Olhava pro relógio seguidas vezes. Sabia que ele tinha algo importante a fazer. Então o orientei a me deixar trancado ali até que resolvesse suas questões. Por certo imaginou que eu não pudesse sair. “A porta é trancada eletronicamente. Com certeza eu não conheço a senha!”, falei, olhando-o fixamente.
Viu que eu estava certo. Fiquei ali trancado, e ele foi resolver suas pendências…
CONTINUA
Antonio Sérgio da Silva (Sérgio Thorres), nasceu em Itaúna, Minas Gerais.Possui formação técnica em “Eletroeletrônica” e seu gosto por “literatura fantástica e ficção científica” liberou seu lado criativo mostrando que não há idade para se começar algo. Ao longo de seus 51 anos, há dez como amante da escrita, vive em meio a escrita, tendo como princípio a saga “Filhos de Lhuxxor” (ficção científica). Participante da coletânea “Hipérboles”, (Editora Ramos).
Parabéns!! 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
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Excelente conto!!!
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Já quero a continuação!! 🤭
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Adorei. Que situação heim?! Tô bem curiosa pra saber se ele vai conseguir.
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Adorei o texto! Essa pressão de tempo me deixou mais curiosa ainda.
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Parabéns…fiquei bem curiosa pela continuação…sem grandes explicações me senti no futuro realmente, sem falar que a leitura é fluídica.
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Intrigante. Adoro aventuras temporais! 😍
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A busca por manter as pessoas amadas pela eternidade movem o mundo. O que terá nesse composto? O que acometeu Cléo?
A segunda parte poderá responder? Ficarei aguardando.
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Ótimo início! A trama me prendeu mesmo e estou ansiosa para saber o desenrolar dessa última chance dele ou da Cleonice.
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“Depois dos trinta, dois anos não faz muita diferença”, olha, verdade; Tô com 32 anos e me identifiquei kkkk
O texto está excelentemente bem encadeado e me deu muita vontade de ler mais. Em poucas pinceladas já temos uma Geena bem delineada e conseguimos imaginar a cleo que o protagonista tanto ama. ótimo começo!
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Adorei!
Texto fluído, bem escrito e instiga nossa curiosidade!
Ansiosa pela continuação!
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Agora quero saber o que acontece com esse JP. Minhas iniciais e apelido do meu filho. Hahahaha
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Gostei muito da sua escrita! Além disso, a história é envolvente e intrigante. Já estou comentando a Parte 2 também!
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