Entrevista com Wagner Andrade

Entrevistado por Toni Ramos Gonçalves

Nesta conversa com o psicólogo, poeta e escritor Wagner Andrade destacamos a importância da filosofia, psicologia e política na literatura brasileira.

1- Fale-me um pouco sobre quem é Wagner Andrade e como você está lidando com a Pandemia?

– Uma grande satisfação para mim pela oportunidade dessa entrevista. Bem, estabelecer um autorretrato, é sempre um pouco complicado (risos), pois, muitas vezes, o ser humano, de uma maneira geral, tem o costume de se esquivar de falar de si mesmo, preferindo que outros o façam ou o referenciem. Mas eu diria que me vejo como uma pessoa ativa, sensata, otimista, equilibrada nas ações e que, acima de tudo, ama as boas coisas naturais que a vida, sem artificialidades, é capaz de oferecer. Além disso, sempre me vi inclinado para a arte, principalmente a arte literária, pois sempre apreciei bastante ler e escrever. Para mim, se torna bem mais do que uma necessidade, um hábito, um verdadeiro sentido para a vida. Como possuo formação acadêmica em psicologia, há pouco mais de dez anos, procuro, ao me envolver, tanto com a leitura, quanto com a escrita, fazer uma espécie de raio x comportamental daquela personagem, com o qual lido, no momento da atividade. Quanto ao problema da pandemia, eu confesso que quando se iniciou, não esperava que fosse chegar ao ponto que chegou, principalmente no nosso país, de modo que a princípio, me sentia bastante assustado e atordoado conforme o números de casos e de mortes, ia crescendo. Toda essa questão do distanciamento social acoplado à necessidade de paralisação das atividades econômica e comercial, penso que mexe psicologicamente bastante com o indivíduo, bem mais do que muitos imaginam. Em dado momento, veio-se a estabelecer uma situação abarrotada, sobretudo, de dúvidas e incertezas, e ainda coloca em relevo, uma grande apreensão quanto ao futuro de todos nós. Mas, se por um lado, isso tudo me gera um grande desconforto, por outro, impera o consolo por saber que não se trata meramente de um problema de cunho regional e nacional, mas de âmbito mundial. Da minha parte, procuro tomar todas as precauções, sempre que possível, ou os cuidados necessários, no tocante aos hábitos de higienização e nunca deixo de usar máscara para sair, mesmo durante as minhas habituais práticas de caminhada, e busco evitar aglomerações. Afinal, não podemos pensar somente na gente, em momentos como esse, mas também nos entes queridos que nos cercam. No entanto, me vejo extremamente otimista, pois as coisas tendem a caminhar para um prisma melhor, novos e bons horizontes ainda hão de surgir, ainda mais quando for comprovada de vez a eficácia de uma boa vacina.   

Foto: À esquerda Wagner Andrade e a direita Toni Ramos Gonçalves

    2 – Qual a importância da filosofia na literatura?

– Como a filosofia atua ativamente na busca da compreensão do homem, sob todos os seus aspectos, relacionais, econômicos, sociais, existenciais, políticos, físicos, espirituais, perante o mundo, eu diria que essa importância se constrói de maneira fundamental e positiva. Eu costumo me envolver com a abordagem fenomenológica existencial que defende o ser humano, a partir da concepção que este cria do seu próprio universo, ou como esse universo é constituído com base na sua própria percepção dos fenômenos que o abarcam. Sabe-se que estamos sujeitos a constantes mudanças ambientais; pode-se dizer que somos, o tempo todo, “bombardeados” por uma série de estímulos, mas apenas alguns farão parte da constituição essencial do homem. Ainda com base nessa abordagem, a angústia existencial é inerente a todo ser humano, faz parte existencialmente do comportamento humano, e é bem diferente de uma angústia tida como patológica que vem a se aproximar do problema depressivo. O simples fato do homem não conhecer com exatidão o seu próprio futuro, viver num mundo conturbado e conflituoso, sujeito a constantes dúvidas, mudanças, transformações, apreensões, o tempo inteiro, já o coloca à mercê de sua própria angústia existencial. O homem, com isso, se vê na eterna condição de “vir a ser”. A literatura, a meu ver, não atua simplesmente como uma arte em si, mas com um papel preponderante no entendimento dessa concepção de homem diante do mundo, dos fenômenos ou acontecimentos, independentemente da época ou do contexto abordado na história. A arte vem a se tornar representativa em torno das questões existenciais do indivíduo, ou pode-se dizer, da sua própria angústia, pois de uma forma ou de outra, busca elucidar as subjetividades associadas aos conflitos internos e externos dos personagens, entre si e com o mundo. O romance “O Encontro Marcado”, por exemplo, do Fernando Sabino, até hoje, um dos preferidos da minha estante, se mostra como um “arsenal” de perguntas e busca de respostas de cunho existencial a todo o instante.   

    

Foto: Wagner Andrade

3 – Recentemente leitores questionaram uma grande editora nacional de publicar livros, de autores considerados esquerdistas. Essa briga política entre a direita e a esquerda, em sua opinião o que ela afeta na literatura?

– Não tenho uma opinião firmada completamente em torno desse assunto, pois requereria da minha parte, investir melhor em informações mais detalhadas a respeito. No entanto, devo dizer que longe de vir a se estabelecer uma espécie de cisão na nossa literatura ou de fomentar ainda mais as rivalidades e disputas já existentes entre partidários da direita e da esquerda, há todo um caráter enriquecedor em vista, Ainda mais que vivemos numa época, em que se defende e evidencia a liberdade de expressão. Opiniões, pontos de vista, histórias adversas a uma situação vigente, são sempre interessantes de se mostrar e destacar, desde que não sejam utilizados com o intuito somente de ferir ou denegrir a imagem deste ou daquele ou de algum tipo de agremiação ou ideologia social e política. A vida em si deve ser encarada, como um universo de possibilidades, e a arte literária não foge a essa regra. Independentemente de toda essa fomentação editorial ou de toda essas divergências que se acentuam, a olhos vistos, é sempre interessante a apresentação desses autores e a captação de um público interessante. Enriquece a arte. 

4 – Nos Cursos de Escrita Criativa que fiz recentemente, uma das aulas era conhecer os transtornos psicológicos para construção de personagens fortes. Assim como a filosofia, como você vê a psicologia nas obras literárias?

– Eu começo a responder a essa pergunta com uma observação que por vezes, faço. Se pudermos ler a obra de Machado de Assis, por exemplo, e analisar com maior profundidade, o contexto, assim como os problemas psico-afetivos dos seus personagens, nem precisaremos nos ater aos compêndios específicos de psicologia ou psicopatologia. Principalmente na sua fase realista, a que veio a se tornar de maior interesse para estudiosos na literatura, em geral, o autor faz uma abordagem rica, inteligentíssima e madura, na análise das características das personalidades diferenciadas. Costumam dar bastante ênfase ao chamado “enigma de Capitu”, mas a maneira como o autor explorava as peculiaridades na conduta da personagem, o seu caráter dissimulado e tudo mais, propiciou o surgimento dessa dúvida, associada à própria ambiguidade da obra em questão, Dom Casmurro. Como se sabe, essa ambiguidade veio a se instaurar em torno da sua culpa ou inocência, da possibilidade ou não do adultério. Em Memórias Póstumas de Brás, outro livro de cunho realista, o autor procura evidenciar todos os possíveis conflitos, amarguras, fraquezas, frustrações que se mostram determinantes nos destinos dos seus principais personagens. De maneira geral, os transtornos mentais, assim como as seus devidos impactos e as implicações no comportamento humano, sempre tiveram um papel preponderante na constituição de interessantes histórias literárias. Entretanto, simplesmente adquirir conhecimentos sobre um determinado transtorno psicológico, assim como todos os sintomas envolvidos para a construção de personagens intensos, não se mostra, a meu ver, como algo fundamental e essencial, visto também que é incontável o registro existente desses transtornos, mas pode vir a colaborar para a riqueza de uma dada importante obra. Além do aparato psicopatológico envolvido, deve-se levar em tamanha conta ainda todo um contexto biopsicossocial a abarcar a narrativa em si. Visto ainda que o ser humano deve ser compreendido na sua totalidade, a considerar as dimensões afetiva, subjetiva, social, interpessoal, biológica, temporal, motivacional e espiritual que enriquecem e frutificam a arte, quando essas mesmas dimensões são investidas majoritariamente.     

5 – Como você avalia a atual Literatura Brasileira Contemporânea?

– Esse é um ponto que, a meu ver, até triste de se comentar. Se por um lado, o país apresenta tantos, e diga-se de passagem, excelentes autores contemporâneos, espalhados em toda a sua diversidade geográfica, por outro, muitos (a esmagadora maioria) não são nem conhecidos, em virtude da deficiência do hábito de leitura que impera negativamente na nossa cultura e também da falta de interesse tanto da grande mídia, como da sociedade em si, pela busca de boas obras. E infelizmente, isso ocorre mesmo com aqueles que conseguem obter importantes premiações a nível nacional como o prêmio Jabuti. Basta que se diga, que devido ao minguado interesse literário por parte da grande mídia e da sociedade em geral, ganhar um prêmio dessa proporção ou magnitude não representa necessariamente garantia de sucesso total, essa é a verdade. Mas independente ou não de premiações, são pouquíssimos os autores que conseguem adquirir sobrevivência apenas com o exercício da literatura ou com a venda das suas obras. Ainda são ineficientes as inciativas que visam alterar esses rumos que a arte vem tomando ao longo desse tempo. Todavia, nem tudo são espinhos. As chamadas bienais do livro procuram fortalecer e fomentar o mercado editorial, com vistas a investir-se em lançamentos de novos talentos ou apresentação de autores conhecidos ou já consagrados. As feiras de livros espalhadas pelo país, mesmo com dificuldades, procuram fazer o seu papel. Mas o que tem me chamado a atenção é que, vez por outra, surge uma ou outra inciativa individual em algum canto do estado ou do país, de onde a gente menos se espera. Eu particularmente, aprecio bastante a literatura de cunho regional, visto a apresentar uma boa diversidade de talentos pelo interior afora, cada qual com suas características peculiares, seus jeitos e trejeitos, o seu próprio universo inserido no contexto de sua cultura, de suas raízes geográficas e etnográficas, não importando a modalidade: poesia, conto, crônica, teatro, romance, literatura de cordel… São vários “brasis” espalhados e imersos num imenso Brasil, que necessitam ser descobertos, vistos, discutidos, valorizados, conhecidos e reconhecidos nacionalmente.

Foto: Pixabay

4 comentários em “Entrevista com Wagner Andrade

  1. Excelente entrevista com o psicólogo e escritor Vagner Andrade. Com linguagem a alcance de todas as classes e de fácil entendimento. Grato por vocês Toni Ramos grande escritor e Vagner Andrade por lutarem e insistirem com garra e sabedoria desseminarem a literatura na nossa sociedade que como no país inteiro precisam de aumentar o grau de cultura e conhecimento. É assim combaterem com conhecimento de causa todos os impercilios que trava o pais e até mesmo o universo, também a suas próprias vidas carentes de bons sentimentos como amor, gratidão, perdão e paz. Abraços! Do amigo Xico poeta.

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  2. Wagner é a simpatia e a empatia em pessoa. Com tamanha sensibilidade e ética é daquelas pessoas que se consegue passar horas conversando. Foi um prazer a leitura de sua entrevista. Um abraço.

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