Poema da história

Por Antonio de Paula Apoli*

Dormitava alquebrado

Por sonhos alentados entre a cruz e a espada.

Pensamento longínquo, derramado,

No caminhar nas ruas de pedra lascada.

***

Ergueu aos céus o olhar,

Entregou-se à sorte atou o laço.

Avistou uma luz, quis rezar.

Caminhou para a Igrejinha do Senhor dos Passos.

***

Nos adros, as pedras-sabão

Que o congado corteja.

No estalido do bastão,

A bênção do Divino almeja.

***

Ao pisotear, a poeira se esguia

Ritmada pelo atabaque de Angola.

O retumbar, a fé que guia,

O alegrar da alma que consola.

***

Na travessia, o Sagarana

Toda obra de Guimarães Rosa.

Turíbio e Silivana, Diadorim e Taturana,

Na obra-prima

da prosa.

***

Doutorou nos Campos Gentios,

Levou tratamento assisado.

O tropel seguiu o horizonte pelos trilhos

No sossegar do andejo compassado.

***

Nas serras azuis das Gerais,

O uivar do lobo que acuara.

Campos Vertentes, Senhor Deus, abençoai

A harmoniosa população de Itaguara.

***

João Guimarães Rosa iniciou sua carreira de médico em Itaguara Minas Gerais. Para lá, se mudou com a recém-esposa: Ligia Cabral Penna. Foi em Itaguara que nasceu a primeira filha: Vilma Guimarães Rosa. Ela também se tornou escritora e escreveu Relembramentos: uma obra grandiosa que retrata toda trajetória do seu pai. Em Itaguara e toda região, João Guimarães Rosa exerceu a importante profissão de médico nas comunidades rurais, o único médico da região, naqueles idos de 1932. Foi no Campo das Vertentes, região onde fica Itaguara, que João Guimarães Rosa teve os primeiros contatos com os lavradores. Em seus atendimentos médicos, ele ficava horas ouvindo as pessoas e seus relatos. Anotava em um caderninho de bolso, todo linguajar coloquial sertanejo. Foi ali em Itaguara, que Guimarães Rosa se alicerçou para seu primeiro livro: Sagarana e toda sua obra. Em seu livro Relembramentos, Vilma Guimarães Rosa registra toda trajetória do pai. Afirma que a passagem de seu pai Guimarães Rosa por Itaguara o influenciou determinantemente para a temática literária da obra Rosiana.

— “Manuelzão, da cá, tua besta de cela arreada, quero passar na fazenda do Tonico Paulista (meu avô) para pegar uns angorás que ganhei do amigo. Depois dar uma idazinha na venda, preciso levar uns trenzinhos para Lígia, coitada, está de resguardo da Vilminha, nem tem saído porta a fora.”

Toda admirável obra de Guimarães Rosa é universalmente apreciada, ela nos leva aos lindes do sertão para viajarmos no neologismo lexical do grande mestre.

Igreja Nossa Senhora das Dores – Itaguara MG (Foto: Toni Ramos Gonçalves)

*Antonio de Paula Apoli nasceu em Itaguara-MG onde passou a infância. Entre o colégio e a fazenda, pode vivenciar bem próximo do campo a riqueza literária que o influenciou na literatura. Aos dezesseis anos, se mudou para Belo Horizonte, onde intensificou a leitura no Campo da Puc.Autor de três livros, artigos para jornais e coletâneas. Hoje reside em Goiânia com a família.

Um comentário em “Poema da história

  1. Gostei muito do poema ele retrata fielmente a cidade de ITAGUARA, onde passei alguns dias da minha juventude e constatei a hospitalidade de seu povo, parabéns!

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