Wagner Andrade – Amigo literário

Estreia aqui no Blog do Toni Ramos Gonçalves, um espaço dedicado aos amigos das letras. E o primeiro convidado é o amigo Wagner Andrade que nasceu em Belo Horizonte, mas reside em Itaúna há muitos anos. Escritor, poeta, psicólogo e autor do livro de poemas: Reflexões e Sentidos de viver. Nossa amizade iniciou-se no ano de 1999, quando visitamos a cidade de Boa Esperança–MG para recebermos uma premiação literária num concurso nacional de contos. Eu fiquei em segundo lugar com o conto Os olhos de meu pai (publicarei em breve aqui no blog) e ele conquistou o terceiro lugar.

Uma curiosidade sobre o amigo, é que foi o Wagner Andrade que indicou o patrono geral da Academia Itaunense de Letras, o ilustre Oscar Dias Correa, que ocupou uma das cadeiras da Academia Brasileira de Letras. Infelizmente, o amigo Wagner recusou humildemente ser um dos membros fundadores da AILE, mas continuou participando das coletâneas (Olhares Múltiplos e Hipérboles) além dos eventos organizadas pela Editora Ramos e Grupo de Escritores Itaunenses.

Na sua primeira participação por aqui, nos apresenta uma crônica interessante e cômica sobre a nossa difícil língua portuguesa. Seja bem vindo, Wagner Andrade!

PARÔNIMOS E HOMÔNIMOS

Por Wagner Andrade

Joca nunca foi jogador e esportista na vida, e muito menos cozinheiro, mas sempre foi de “trocar as bolas” ou confundir “alhos com bugalhos”, como ninguém, no que se tratava de nossa língua materna, (convenhamos, até difícil e que há momentos em que um mortal se enrola na articulação de certos termos) principalmente envolvendo verbos com semelhança na pronúncia e na escrita, mas bem diferentes no significado:

     “Hoje acordei tão “expirado”, que sou capaz de ir trabalhar até melhor e com bem mais entusiasmo e confiança”.

     ‘”Sabe, um pai de um colega meu “inspirou” hoje de manhã; também pudera, ouvi comentarem que ele tava muito mal do coração. Vai ser muito difícil pro meu amigo “dirigir” esse golpe. Favor, me empresta o seu carro pra eu “digerir” até a casa dele, já que o meu tá com algum problema no freio. Preciso ir lá, pra lhe dar alguma força, que sei que deve precisando”.

     Expirar, inspirar, aspirar, dirigir, digerir… Algo para deixar um mortal maluco, não acham? Mas não ficava só nisso aí.

     Joca sempre foi homem de acordar cedo. Apressado e responsável como ele só. Logo, ao se levantar, tomava rapidamente o seu café com leite diário, dava uma rápida olhadela no jornal, enquanto “dirigia” somente um pedaço de bolo ou pão com manteiga, e saía a “digerir” o seu velho Uno, dessa feita, com mais tranquilidade (tinha verdadeiro pavor de correr no volante). As ruas costumeiras, pelas quais movimentava, eram tidas como largas; ele considerava que as mesmas possuíam bom “cumprimento”, boas de se “traficar”, de se fazer inveja até a outras vias e logradouros mais distantes da cidade.

     Ao chegar, quase que pontualmente, à empresa onde trabalhava, estacionava o veículo, tecia agradáveis “comprimentos” aos colegas de serviço; um ou outro lhe confidenciava sobre a real situação financeira da firma: “O trem tá feio, logo, logo, estão pra colocar mais gente na rua”. Joca, aparentemente, parecia demonstrar tranquilidade e não temia acerca do seu futuro na organização. “Sei que o chefe gosta muito de mim, assim como do meu trabalho; por isso, não me vejo na “eminência” de perder esse emprego”. E para descontrair um pouco o ambiente: “se acontecer o pior, qualquer coisa, arrumo um jeito de sair por aí, “trafegando” um pouco de cocaína e, quem sabe, até “heroína”; já comentaram que esse negócio é que dando lucro, uma boa bufunfa.” E ante o verdadeiro pasmo dos amigos, passava a rir com alguma intensidade; em seguida, procurava emendar: “sabem que só brincando, passo longe desse negócio todo aí, não é pra mim não, uma verdadeira porcaria social. Mas, falando sério, se acontecer do chefe me colocar na rua, sei que tenho chance de conseguir algo em outra empresa, e talvez até melhor, pois ele é uma pessoa muito conhecida no mercado e até “iminente”; uma carta de recomendação dele vale ouro”.

     No entanto, ao voltar para casa, Joca parecia não demonstrar essa mesma despreocupação. Pensava que se tal coisa de fato ocorresse, para ele, no momento, seria o mesmo que lhe aplicar uma pena, ou lhe “infringir” um tremendo castigo. Que tipo de “previdência” deveria tomar de antemão? Possuía família, possuía filhos pequenos que ainda dependiam diretamente dos seus proventos. Gostava do que fazia, atuava no ramo industrial de peças para veículos automotivos, já há alguns anos; o pessoal na firma lhe tinha apreço e consideração, embora achasse muito hilário o seu jeito de pronunciar as palavras; aquela “mania linguística” ou o que fosse, virava até motivo de escárnio entre alguns. Considerava até satisfatório o próprio desempenho, o esforço valia a pena e chegava a se sentir até “absolvido” pelos serviços. Mas, (quem sabe?) no futuro, ainda teria o próprio negócio, “expirava” a uma realização e crescimento pessoal e profissional nesse sentido, vindo a se tornar o seu próprio patrão, um sonho almejado pela frente, caso um dia, por um motivo ou outro, não fizesse mais parte da empresa. Possuía somente pouco mais de vinte e cinco anos, portanto, muita coisa ainda para acontecer. Mas enquanto ainda dependesse do salário da firma, precisava se manter de bom humor e otimista, no “comprimento” de suas obrigações e responsabilidades como empregado, não podia jamais atordoar-se ou “infligir-se”, emocionalmente; tinha de manter a cabeça em pé, firme e “imersa” no alto.

     E passava a realizar, mentalmente, a “discrição” de alguns “paços” importantes que teria de dar na vida, a fim de atingir seu maior intento.   

     Mas sentado à mesa, na hora sagrada do jantar, evitava tocar no assunto ou em qualquer coisa que aspirasse a trabalho ou à firma, preferindo aproveitar o momento somente para ”curtir” a esposa e as crianças. Como a fome o dominava em demasia, depois de mais um dia inteiro no batente, muitas vezes, “soado” tanto no rosto, como nos braços, “ingeria” (aí, sim, está certa a colocação) com sofreguidão, tudo o que lhe vinha ao prato, chegando a “suar” ou emitir um enorme ruído na deglutição dos alimentos. Comprazia-se, em dado instante, a observar os filhos. Ficava admirado com a criança mais nova; somente dois anos; mas esperta como ela só. Com a pouquíssima idade, já falava tudo, comia de tudo o que lhe punha a frente, e a danadinha, à sua maneira, ainda pedia mais comida. Os outros filhos também se alimentavam bem; sempre com os “incipientes” cheios e, “com a graça do Senhor”, cresciam com “prefeita” saúde, era o que mais importava. O mais velho parecia ter puxado Joca no gosto por automóveis que, para a alegria do genitor, se mostrava “recipiente”. Bastava o garoto presenciar qualquer carro passando à sua frente, já falava a cor e a marca, corretamente, dificilmente o danado se equivocava. No entanto, ocorria de nenhum dos filhos repetir os mesmos “vícios de linguagem” do pai, que até para a mulher, serviam como motivo de mofa sadia.

     Mas não se enganem em pensar que era somente na fala, nas articulações, que tal hábito se fazia notório; também as boas “trocas de bolas” estavam presentes no ato de escrever, como se podia perceber numa mensagem postada a um velho conhecido, referente a um valor devido de um serviço que este havia lhe prestado:

     “Pode deixar, meu amigo, que não esqueci de lhe mandar o “xeque”, é que eu ainda não tenho todo o dinheiro na minha conta, nesse mês, e se ele for enviado, fica sem fundo. Mas fica tranquilo, que até o “cesto” dia desse mês, ele segue pra você, normalmente, sem problema. A verdade é que o “concerto” do meu carro me custou o “olho da cara” e “absolveu” quase que todo o dinheiro disponível. Você sabe, a situação tá difícil pra dedéu, com o desemprego em alta, dificultando pra todo mundo ou quase todos. Felizmente, ainda conservo o meu emprego, com a graça do bom Senhor, mas mesmo assim, nem sempre dá pra pagar as contas devidas, com tranquilidade. E olha que a “patroa”, nos últimos tempos, tem até “cozido” pra fora, a fim de ajudar, pelo menos um pouco, nas despesas domésticas. E mesmo assim, sabe muito bem, já que a sua mulher também é costureira, ela tem de ter bom material disponível como carretéis de linha de várias cores, tesouras, agulhas, feiches, pano e tudo mais que for necessário”.                  

     E como se voltasse agora para si próprio, para os seus próprios botões: “A Almira é uma mulher e tanto; eu posso dizer que jamais teria outra como ela na minha vida. O “lasso” que uniu nós dois, desde o dia em que subimos ao altar na igreja, é bem forte, e pra sempre. Quando eu tiver a chance de ter o meu próprio negócio arranjado e bem desenvolvido, quem sabe eu ainda venha a me enriquecer nisso, vou dar pra ela uma vida de princesa ou de rainha, dessas mesmo de “passo” imperial, com tudo o que ela tem direito, até com direito a “conserto” de orquestra, à porta, de vez em quando. Mas até lá, eu me contento em convidar ela para irmos, nessa noite a uma “seção” de cinema, já que passando um filme muito bom e imperdível.”     

Universo de parônimos e homônimos da nossa língua, a endoidecer qualquer pobre mortal, não é mesmo?

Foto: Internet

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