O conto Selma ficou em 1º lugar no 1º Prêmio FEBACLA 2018. Trata-se da história de amor impossível entre um homem solitário e uma mulher comprometida. O conto recebeu impressões positivas, o que me levou a considerar a hipótese de, quem sabe um dia, desdobrá-la e torná-la maior, talvez uma novela ou romance. Um grande abraço e boa leitura.

Selma
Por Toni Ramos Gonçalves
Selma está lá dentro agora, no quarto, e eu, indeciso, não sei se saio, para o sol escaldante, ou se permaneço aqui, na sala. Estremeço só em pensar que ela me ache importuno. Não quero ser importuno, não quero ser imprudente. Juninho, garoto sapeca, na energia inesgotável de seus cinco anos, está querendo sair e demora timidamente à janela, contemplando os arranha-céus. Olha para mim, de momento a momento e finjo não perceber. É um olhar súplice, o mesmo olhar inocente, incauto e meigo de Selma. Sinto uma angústia. Ainda há pouco eu me distraía, com um livro. Fingia ler, Juninho veio, venceu a timidez, pousou a mão no meu joelho. Um gesto familiar e confiado que eu não merecia e por isso levantei, toquei de leve o seu ombro. Ele quer ir lá para baixo, dar um passeio – que importa o caos urbano da capital! – mas, aí está minha utilidade e valia: a segurança. As constantes viagens de negócios de seu marido me trouxeram a esta situação, junto com a promessa de um cargo na empresa.
Selma veio lá de dentro, passou pela sala cantarolando, entrou na cozinha, conversa com a faxineira. É espantoso que ela não tenha ainda percebido qualquer coisa. Sempre fui um livro aberto, uma sensibilidade à flor da pele, nunca soube dissimular. Preciso ficar atento, não quero dar nenhum aborrecimento, não quero ser um elemento perturbador.
Meu Deus, lá vem ela novamente! Senta na poltrona defronte – o celular na mão -, sorri para mim. A saia escura, no regaço, faz uma ondulação suave. Meu coração bate descompassado.
Fico olhando para Selma. Às vezes me detenho em certos detalhes. Agora é a vez da boca. Lábios carnudos, de firme desenho. Já quis beijá-la muitas vezes e não tive coragem.
Selma me olha, eu sustento o seu olhar. É impossível que ela não saiba, não perceba, não sinta. Um arrepio me percorre o corpo, depois um ardor, e uma onda gelada, um tremor, um calafrio. Vou dizer “eu te amo!”. Juninho aparece, vem correndo da copa. Levo algum tempo para me refazer.
“Vocês foram ao parque ontem?”, pergunta ela, voltando os olhos para o celular.
Não pude responder logo, perturbado. Levantei e abri a porta. E já do lado de fora, apertando o botão do elevador:
“Vamos agora.”
Juninho cruza a soleira da porta, alvoroçado, e pergunta, oscilando nas perninhas:
“Vamos mesmo?!”
Não fiz nenhum esforço para falar, apenas confirmei com a cabeça.
“Não voltem muito tarde para o jantar”, diz Selma, lá dentro.
Juninho cerra a porta. Saímos. E, depois, enquanto andávamos lá fora, a angústia sufocou uma vez mais. Pensava no regaço, na saia escura de Selma. Fiquei enredado numa situação de que não podia me libertar. Não conseguia esquecer aquela visão. Selma me atraiu sempre, apaixonei no primeiro instante em que a vi – como deixar de amá-la? Surgiu no meu caminho, encheu minha solidão. Podia fazer uma loucura a qualquer momento. Tinha fome e sede, queria, desejava, amava a mulher de meu irmão.

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