Livro de Antonio de Paula Apoli
PREFÁCIO DO LIVRO POR CINTIA ARAÚJO
Entregue a si mesmo, o autor vai marcando os caminhos com palavras carregadas de poesia para que possamos seguir suas trilhas e sentir a beleza dos lugares nos quais se passam algumas histórias e até mesmo a realidade das mazelas sociais brasileiras que assola determinadas personagens.
No primeiro conto, “um trem corta a escuridão delineando as montanhas em um balançar solitário, levando alegria e tristeza, tangendo a nossa alma com resquícios de esperança”[1].
De repente, um doce personagem nos acena: – Venha. Vamos “subir a ladeira por uma estradinha que margeia o despenhadeiro”, e a gente “já começa a ouvir o fragor das águas rolando sobre as pedras relançantes à luz do sol principiado. O orvalho começa a umidificar nossos pés, mas os pés do personagem estão tão acostumados que ele nem sente o friozinho da manhã”.
É assim que tudo se passa na primeira parte deste livro constituído de 22 contos. Além da poesia em estado bruto, há no autor uma capacidade de mesclar passado e presente de uma forma tão singular que a gente se sente dentro da própria história, caminhando lado a lado com o narrador até mesmo por lugares nunca imaginados e tempos talvez esquecidos na soleira da porta de alguma fazenda, onde pingos de sol ainda teimam em brincar com a saudade.
A gente se vê no início do fio do tempo, ouvindo o violão tocar “Entre o medo e o perigo, desvencilhar não consigo. Sou valente, salto o muro. Sou menino. Tenho medo do escuro”. Somos criança, correndo no riacho, aprontando travessuras numa maldade inocente, com Tomé Dídimo e seus irmãos.
Personagens enigmáticas nos acompanham durante todo o percurso dos contos, um deles “arrastando a batina preta surrada sobre a terra úmida”, sussurrando aos novos ouvidos tragédia; outro “dando amor, acariciando o corpo, saciando os desejos nas noites sombrias (…)” e, como uma Sherazade às avessas, “ouvindo as estórias longínquas e intermináveis de sua patroa”.
Mas, de repente, um homem está embevecido a olhar uma foto… Uma volta ao passado dá início à segunda parte desta obra, composta por 52 poemas, nos quais o poeta nos conduz, verso a verso, a lembranças e saudades de uma mãe, de uma amada, da infância de suas filhas, de outros tempos…
Nesse compasso, vamos sendo levados a contemplar os cabelos de Amaralina, a delicadeza de Ester e de Rosa-Rose, a doce fonte inesgotável de amor das mães a seus filhos e a amabilidade de Bruna e Juliana, até que nos vemos nas Minas Gerais, dentro da Maria Fumaça, ouvindo “O peixe vivo fora d’água” e “Amigo é coisa pra se guardar e levar no coração”. Ler Antônio é de uma doçura impertinente. Mesmo quando fala das mazelas sociais, como da dura realidade vivida por Clarice, uma de suas personagens nos contos, ou de ausências, saudades e vazios nos poemas, há sempre um enigma a ser descoberto, como se estivéssemos vivenciado o fato sob as lentes do autor que, passo a passo, vai trilhando a realidade e a natureza, o presente e o passado, como uma máquina de tecer palavras-imagens. Assim é o livro “Dos sinos: o soar do perdão”.
[1] Trechos entre aspas pertencem ao autor Antônio de Paula e fazem parte desta obra.

Contato com autor: (62) 99198-0744 (Whatsapp)
E-mail: antoniodepaulaapoli@gmail.com
Facebook: Antonio de Paula Apoli
Instagram: @antoniodepaulaescritor
TRECHO DO CONTO DOS SINOS: O SOAR DO PERDÃO
Subia a ladeira por uma estradinha que margeava o despenhadeiro, podia ouvir o fragor das águas rolando sobre as pedras relançantes à luz do sol principiado. O orvalho umidificava seus pés, mas estava tão acostumado que nem sentia o friozinho da manhã. Era um trajeto diário, fora aos domingos, quando ficava sentado nos adros do casarão de fronte para o aquecer do sol. A subida era mais cansativa, precisava sentar-se sobre alguma pedra para descansar, e uma das paradas era sempre bem próxima da cachoeira. As águas espumantes se espalhavam em tombos, roliçando de saltos em saltos, até o remanso bem abaixo no encontro do outro riacho. À meia altura, no avistar, já se viam as cumeeiras do casarão e toda adjacência, mas distante do belo vistar no topo do platô. Contava a lenda que na abertura entre as duas rochas, atrás da cachoeira, morava um espírito que afugentava todos os males do lugar. Alguns homens meeiros diziam que entre a rocha de cima e a de baixo havia uma gruta sem fim. Quem ali entrasse era engolido pelo buraco do fim do mundo e jamais voltaria. Outros mais astutos praguejavam o diabo soprando as águas nos que ali ficassem em tempo. Ele observava com afeição, mas jamais se aproximava do lajeado por trás da cachoeira.
Cada passo o aproximava do topo da montanha. Era um demorado caminhar sobre o seixo ressequido, solto abaixo dos seus pés. Àquela hora, o sol ainda era morno, facilitava na subida, contudo lhe consumia bastante tempo. Tinha o lugar escolhido para descansar durante a subida. Quanto mais subia maior era o horizonte do seu avistar. Lá embaixo, as casinhas dos meeiros se esparramavam com pequenas clareiras, não muito distantes do casarão. Daquele modo de observar, eram miúdas, quase apagadas com adobes da mesma cor da vegetação ressequida. Ergueu o olhar ao céu, repentino e decidido seguir a subida. Pouco antes de alcançar o platô, olhou abrangentemente toda a vastidão do campo aberto muito abaixo dali. Alcançar o topo da montanha lhe parecia corriqueiro, mas era uma satisfação sem igual para ele.
Naquela manhã, teve a mais formidável visão do centro do platô. Girou o olhar e apreciou a vastidão lá embaixo. Do lado poente, os campos gerais: as pequenas montanhas, os riachos, as plantações, algumas capoeiras e juquiras que intercalavam com as pastagens. Ao centro, o casarão era imponente. Mesmo distante, dava para ver toda a grandiosidade da construção. Uma mancha verde delineava até o riacho. O pomar fora sempre verde, mesmo em tempos de sequidão. Seu casebre era o mais próximo da casa central. Isso o tornou o rapazinho de confiança do fazendeiro. Era um olhar conciso, pois do outro lado estava o mundo desconhecido, jamais visitado por ele, imaginado como poderia ser, tão desejado, um desejo inconcebível, distante. A estrada de rodagem descia a serra em curvas muitas, erma; carros, caminhões e ônibus. Os ruídos eram desiguais, a ligeirice era para ele incompreensível. Muitos desciam, outros tantos subiam combinadamente em lados opostos. Longínqua se estendia a cidade, muitas casas grudadas umas as outras, brancas na maioria, telhados opacos, algumas casas encima das outras, novinhas, tão bonitas! – Achou. (Continua no livro)

















