”Torto Arado”, de Itamar Vieira Junior, é leitura obrigatória e urgente

Por Almir Zarfeg

Torto Arado” – romance premiado de Itamar Vieira Junior – é minha última leitura de fôlego e sobre o qual escrevo minha derradeira resenha neste terrível ano de 2020 que – por sinal – já vai tarde!

O livro ganhou o Prêmio Leya de 2018 e, por isso, foi publicado primeiro em Portugal. Só em 2019 ganhou edição no Brasil pela Todavia e, em 2020, levou o Jabuti de melhor romance literário e livro do ano. Faturou também o Prêmio Oceanos.

Sensação literária muito bem-vinda, Torto Arado merece todo esse reconhecimento. Todos esses prêmios e, sobretudo, leituras, interpretações e louvações. O livro foi alçado à categoria de clássico, qual seja, referencial, relevante e inspirador. Já está sendo traduzido para outras línguas, como a italiana.

Se não bastasse tudo isso, autoria baiana. A história é ambientada na Bahia, na Chapada Diamantina, mais precisamente na Fazenda Água Negra.

Nesse ambiente com características análogas às do Brasil colonial, com modo de produção escravista e/ou coronelista, as irmãs Bibiana e Belonísia protagonizam Torto Arado…

Que me desculpem os metidos a besta, mas eu vou encher a boca para falar do romance que, de tão grandioso do ponto de vista da temática e da narrativa, comporta discussões, debates e embates. Afinal, estamos diante de um romance de formação, neorrealista, histórico, rural, afro-brasileiro, mágico?

Ele é tudo isso e muito mais. Dividido em três partes que são narradas na 1ª pessoa pelas irmãs Bibiana e Belonísia e por Santa Rita Pescadeira, uma das tantas entidades encantadas que povoam, protegem e encantam as protagonistas da história e, também, os moradores da localidade.

As narrativas – à maneira de depoimentos – se sucedem e se fundem num crescendo para retratar de maneira humana, valente e atávica a trajetória das irmãs e, por extensão, de toda a comunidade descendente de escravizados. Que, apesar de viverem daquela terra e beberem daquela água, não têm direito à natureza. Mas chegará o dia em que vão tomar consciência do pertencimento e vão dizer não à desumanização e à tirania impostas pelo senhor branco manipulador e explorador.

O mérito de Itamar Vieira Junior – mais que dar voz às protagonistas (uma das quais, Belonísia, é incapaz de falar pela ausência da língua perdida num acidente doméstico na infância) – foi trazer à baila uma realidade – triste e dura – que ainda existe e persiste no interior do Brasil. Trata-se das comunidades quilombolas que sobreviveram, após o 13 de maio, completamente ignoradas da proteção do Estado brasileiro.

Portanto, meninos e meninas, Torto Arado colocou na ordem do dia todas as demandas urgentes e inadiáveis que seguem clamando por solução, justiça e respeito deste Brasil injusto,  desigual e racista.

É a literatura de qualidade satisfazendo os gostos, inclusive os mais exigentes, e despertando as consciências – até as mais tacanhas. Viva Água Negra! Viva Água Preta!

Foto: Divulgação do livro

Deixe um comentário