Entrevista: Toni Ramos Gonçalves

Entrevista cedida a Edis Henrique da Silva Peres, estudante de jornalismo, para a elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do Curso de Jornalismo, e futuramente publicada na revista literária Em verso, na cidade de Brasília/DF.

Inicialmente, gostaria de perguntar um pouco sobre sua trajetória. Vi que estreou na Literatura em 1996 com a novela O Último Pôr do Sol e continua publicando e ganhando diversos prêmios e menções. Como foi que se descobriu escritor e quais são os seus projetos para o futuro?

Eu comecei a “rabiscar” os primeiros textos na adolescência, lá pelos treze ou catorze anos depois de ler muita revista em quadrinhos. Minha mãe era minha ouvinte, pois ela era analfabeta e não ficava chateada com minhas estórias. Isso me mantinha quieto, para sossego dela.

Certo dia participei de um Concurso de Crônicas da Diocese de Divinópolis e fiquei em segundo lugar. Serviu como motivação. Quando novamente fiquei em segundo lugar num Concurso de Contos e recebi uma premiação em dinheiro, não parei mais.

Ganhei vários prêmios literários na cidade onde resido, Itaúna/MG, e em outras cidades de Minas Gerais e no Brasil. A novela O Último Pôr do Sol (1996) foi bem recebido pelo público jovem e foi muito rentável. Consegui até comprar um Fuscão 76 com a venda dos livros.

Depois do sucesso do meu primeiro livro, publiquei Coisas da Vida (1998) e Calíope – Contos Premiados (2003), todos produções independentes. Em 2009, saiu Contos Premiados 2, edição financiada pelo meu ex-editor.

Eu gosto de escrever contos. Me identifico mais com esse gênero textual, apesar de ter o sonho de escrever um romance, que é algo que exige muita técnica e disciplina. Poesia, não tenho paciência nem talento para escrever.

Fiquei nove anos (2005-2014) afastado das Letras sem produzir nenhum texto para me dedicar à família. Nessa minha reclusão literária, dediquei-me à leitura. Meus autores preferidos são Rubem Fonseca (1925-2020) e Sérgio Sant’Anna (1941-2020), mestres dos contos, os quais, para minha grande tristeza, faleceram agora durante a Pandemia da Covid-19. Esses autores influenciaram demais meu estilo.

Quando voltei a escrever meus contos, percebi que minhas ficções tornaram-se mais realistas. O último prêmio literário que ganhei foi em 2018, num Concurso Literário de Contos realizado em Teixeira de Freitas/BA. 

Atualmente, estou com um novo livro pronto adiado para 2021: Silêncios (se não fosse a Pandemia já estaria publicado). Neste último ano dediquei-me aos estudos participando como aluno de três cursos de Escrita Criativa e também estou cursando Letras e História.

Tenho um Blog, um espaço cultural democrático muito acessado no Brasil e no exterior (http://toni.game.blog), que me auxilia na formação de leitores e criação de público para meus textos. Nada mal, né?

O meu objetivo para o futuro é publicar um livro a cada dois anos enquanto tiver saúde e não faltar inspiração. Assim espero.

O último pôr do sol (1996)

A informação que tenho é que atualmente está procurando uma editora para publicar dois livros inéditos. Qual a dificuldade do autor em conseguir publicações e se destacar na mídia?

Descobri que não adianta somente talento (muito talento mesmo) para conseguir ser publicado pelas grandes editoras. É preciso sorte e torcer para cair nas graças de um benfeitor com muita grana e bons contatos.

No começo, após vencer alguns prêmios literários, enviei vários originais para as editoras e, quando responderam (depois de dois ou três anos), vieram com um NÃO.

Talvez se eu ganhasse um Prêmio Jabuti, conseguiria. Quem sabe? Então, eu desisti de buscar editor e abri minha própria editora com intuito de publicar o que viesse a escrever, além de oportunizar edições independentes para novos escritores. Porém, tem escritor que não aceita a autopublicação. Na verdade esse pensamento, na maioria das vezes, são daqueles que desejam lucrar com Literatura. Posso dizer que são poucos no Brasil que conseguem esse objetivo. A verdade é que não podemos deixar nossos sonhos nas mãos de outras pessoas. Carlos Drummond de Andrade e muitos outros escritores famosos receberam um não no início da carreira. Alguns publicaram com o próprio dinheiro, acreditaram em si mesmos e alcançaram o sucesso. Quantos não investem na aquisição da casa própria, na faculdade e no carro 0Km para realizar seu sonho, por exemplo? Por que com o livro seria diferente? Hoje, temos as redes sociais para divulgar nossos textos. Houve uma globalização literária. A relação escritor-leitor se estreitou e é possível uma interação mais dinâmica no universo literário. Se soubermos utilizar essa ferramenta, podemos expandir nosso público de leitores para, quando publicarmos algo, ter a quem oferecer nosso livro. Nos tempos em que vivemos, quando vejo um escritor recluso, longe dessas ferramentas por opção ou estrelismo, penso que as chances de sucesso diminuem bastante.

Primeiro certificado de Concurso de Contos (1996)

Você também ministra palestras sobre a importância da leitura. Poderia falar um pouco sobre a importância dos livros?

Na verdade, sou um péssimo orador, mas, quando recebo um convite, não recuso. A timidez é a causa dessa dificuldade e busco me aprimorar participando de eventos assim.

 Recentemente, palestrei para um grupo de alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e gostei da experiência. Um senhor com 58 anos de idade recebeu um livro de minha autoria, dizendo que nunca havia lido um livro na vida, por não saber ler, mas que agora alfabetizado poderia fazê-lo.

A leitura forma cidadãos. Falo isso por experiência própria. Cresci num bairro pobre e violento. As revistas em quadrinhos e os primeiros livros que li (Os Três Mosqueteiros e Moby Dick) me afastavam das ruas e más companhias. Não sei se estaria aqui hoje se não fosse por isso.

Sempre vejo os pais incentivarem seus filhos a ler, porém o que vemos hoje são adultos que não leem. Onde estão as crianças que são incentivadas a ler? O País perde muito com isso. Numa população de analfabetos e não leitores é mais fácil ser manipulado por governos mal intencionados. A ignorância gera votos. Além disso, também tem a questão da rotina da vida adulta: casa-trabalho-casa e não sobra tempo para uma boa leitura. A classe mais pobre é a mais afetada por isso. É certo que temos que trabalhar, mas precisamos ter qualidade de vida e nesse ritmo alucinante é quase impossível.

Também observo que temos muitos escritores (não os bons) que não leem nada… Um escritor que não lê está fadado ao fracasso. Mesmo assim, apesar das dificuldades, é preciso insistir para que a população crie esse hábito tão prazeroso. Eu leio, mesmo cansado, todas as noites antes de dormir. A leitura é algo que vale a pena ter no nosso dia a dia, pois alimenta nosso conhecimento.

Evento de premiação do primeiro certificado. Na foto: à esquerda Maria Lúcia Mendes, Toni Ramos Gonçalves, Maria Nadir de Vasconcelos (esposa) e Dr. Guaracy Nogueira de Castro

Qual o caminho que considera essencial para formar novos leitores?

O hábito da leitura só nos traz vantagens: enriquecemos nosso vocabulário, clareamos as ideias, despertamos a inteligência. O exemplo deve iniciar-se em casa. Não adianta os pais insistirem com os filhos para ler se não dão o exemplo.

Hoje, com as redes sociais, existem grupos virtuais destinados aos Clubes de Leitura, nos quais várias pessoas leem um livro e depois comentam, criando bons debates. Acho isso muito produtivo. A leitura deve se iniciar com um livro menos complexo, com um assunto que interesse o leitor. Tem livros que exigem certo grau de maturidade (Por favor, não indiquem Grande Sertão Veredas para um leitor iniciante!). Se você sugerir um livro complexo demais logo nas primeiras leituras de uma pessoa, ela, com certeza, nunca mais voltará a ler. E não, não deem ou indiquem um livro de “trocentas” páginas para um leitor logo no princípio. Optem por um livro com poucas páginas e com o tempo o próprio leitor vai procurar livros que o agradem.

Premiação em Ipatinga – MG (2003)

Recentemente o Brasil passou por períodos bem complicados em relação ao mercado do livro. Temos a crise editorial; tivemos censura na Bienal do Rio de Janeiro; censura à autora Luisa Geisler com o seu livro Enfim, Capivaras; a proibição de livros clássicos brasileiros pela Secretaria de Educação de Rondônia e agora estamos enfrentando um momento de instabilidade devido à proposta de criação de uma nova contribuição para taxar os livros. Em sua opinião, por que a literatura incomoda tanto? Qual o poder do objeto livro?

A leitura forma cidadãos, como já disse. Vivemos tempos sombrios, pois aqueles que querem se manter no PODER sabem que um cidadão bem instruído não pode ser manipulado. Manter o povo ignorante é o projeto de governo deles. Onde já se viu criar impostos sobre livros num País de poucos leitores?

Na verdade querem dificultar o acesso aos livros, aumentando o seu preço final, considerado um produto caro pelos brasileiros. Se pudessem, queimariam todos os livros em praça pública, como fizeram antes da Segunda Guerra Mundial. É algo inaceitável. Por isso, precisamos investir massivamente na Educação e incentivar sempre a leitura. Somente com ela, o Brasil vai conseguir ser um país igual para todos. Essa gente que está no PODER usará todos os recursos para impedir que o povo adquira conhecimento. Por isso, a importância da leitura. É a única arma que temos para combatê-los. Gente que questiona sempre incomoda. É o medo deles. 

Ultima premiação literária. Primeiro lugar na categoria contos , em Concurso realizado pela FEBLACA e ATL, no Rio de Janeiro. (2018)

Quais dicas você daria a escritores iniciantes?

Leiam muito e escrevam diariamente. É preciso ter disciplina. É como se preparar para uma maratona. Busquem inspiração em séries de TV, bons filmes, jornais, observem ao redor as pessoas no dia a dia. Sempre tem algo interessante.

Depois da Pandemia, viajem, vivam novas aventuras. Aprimorem com os cursos de escrita criativa e se inspirem nos melhores autores. Além disso, deem uma oportunidade os autores brasileiros contemporâneos. Eles merecem nossa leitura.

  Há algum aspecto sobre sua carreira, Literatura ou incentivo a novos leitores sobre o qual eu me esqueci de perguntar e você acha importante salientar?

Apesar de não ser simpatizante dos livros de autoajuda, vou citar Augusto Cury: “Nunca desista dos seus sonhos. Você é o único capaz de realizá-los”.

Troféu João Guimarães Rosa (2019) Na foto a madrinha Silvia Motta e Toni Ramos Gonçalves.

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