No Sertão de Diadorim

Por Maria Lúcia Mendes*

Visita de Maria Lúcia Mendes ao Museu Sagarana em Itaguara – MG Foto: Toni Ramos Gonçalves

Com licença de João Guimarães Rosa

Compadre meu Quelemém me escuta, não duvide, te asseguro, me escuta. Ao depois mire e veja, me dando razão nos conformes: era setembro! Aquele desparrame de fulô amarelando a mata, solão brabo desses de matar até cobra. Seguia eu por uma estrada, montando cavalo manso, quando de repente o dito cujo estacou, arfando as ventas.  No duvidoso, corpo arrepiando, fiz o sinal da cruz, finquei esporas, sacolejei as rédeas: o diacho nem buliu.

– Ara! Caminha, diabo! Caminha que eu careço mais é de chegar ligeiro – berrei, limpando a goela. Nessa hora, o que vi reconto. No razoável. Sem tirar, nem por uma vírgula que seja: na banda  esquerda da estrada, rodeada de uma cerca, serviço de escravos, vi uma tapera, aos pedaços. Mirei e te conto: rente à ela uma cruz com tabuleta de banda escrita com letras desgraçadas de tão tortas.

            Penção Cereia do mar. Aqui, nesse locau, o Zé Cumbuca sangrou o João Bigorna com sete punhalada: Deus leva a alma do João pro cel.

Cumpadre meu Quelemém é matuto o linguajar mas entendível. Ou num é? Ora pois, me benzi, rezei; o cavalo já no controlável, relinchou, deu marcha. No restante do caminho a ideia zanzou atordoada, rezei de novo segui. Eu que peno de amor por Riobaldo, o tatarana, senti foi estranheza de lembrar o que decorei no tempo de escola quando dei de pegar paixão por Bilac:

                        “Última flor do Lácio inculta e bela/ És a um tempo esplendor e sepultura.”

Folguei o peito, matei a sede num riachinho, enchi de novo a cabaça e prossegui, trotando no descaminho do chão:  

Compadre meu Quelemém vê se concorda: Tudo é Bíblias, tudo é grande sertão.

Bruna Lombardi como Diadorim na minissérie Grande Sertão Veredas Foto: TV Globo Divulgação

*Maria Lúcia Mendes nasceu em Itaúna MG. Em 1983, publicou seu primeiro livro: “Recado em pedras e pétalas”; seu estilo simples, o quotidiano visto de modo singular renderam êxito na publicação de suas obras. Recebeu prêmios literários em concursos realizados em vários pontos do país. Pertence a Academia Itaunense de Letras, Academia Municipalista de Minas Gerais e Academia Divinopolitana de Letras.

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