Por Toni Ramos Gonçalves
O meu mundo não será mais o mesmo.
Digo isso, não por estar enclausurado em casa há quase trinta dias, devido a Pandemia do Covid-19, que veio mostrar a toda humanidade a nossa fragilidade e nos forçar a repensar certos valores capitalistas.
Na tarde, do dia 15 de Abril de 2020, via redes sociais, li a notícia da morte do escritor mineiro, Rubem Fonseca de 94 anos, vítima de um infarto. O baque foi imediato. Não queria acreditar. Motivo? O meu estilo realista de escrever eu devo a ele.

Foto: Internet
O estilo fonsequiano influenciou muitos escritores de minha geração que em algum momento no passado o leu. Isso pode ser conferido no estudo de doutorado “Escritores e assassinos – urgência, solidão e silêncio” em Rubem Fonseca, do escritor Tony Monti onde o pesquisador aponta Fonseca, nascido em 1925, em Juiz de Fora (MG), como uma importante referência para a literatura que se faz hoje no Brasil:
“Ele inaugurou no Brasil um modo literário extremamente urbano e violento. Existem aqueles, como Patrícia Melo, de O Matador, que declaram essa fonte, mas uma série de outros autores têm Fonseca entre suas fontes literárias, ainda que não o declarem explicitamente.”
Meu primeiro contato com a obra de Rubem Fonseca foi no ano de 1990. Eu finalizava o ensino médio e preparava-me para prestar o vestibular para a faculdade de Engenharia Mecânica (que passei, mas não consegui me matricular devido ao alto custo da mensalidade). Um dos livros indicados para o vestibular era Vastas emoções e pensamentos imperfeitos (1988) de autoria dele. Peguei o livro na biblioteca do CESU, quando esta funcionava do prédio do SESI. Era um dos meus lugares favoritos na juventude.

Até aquele momento eu lia somente livros fantásticos e estrangeiros como obras de Júlio Verne, Alexandre Dunas, Sidney Sheldon, Agatha Christie e não tinha interesse nenhum na literatura brasileira. Sempre houve preconceito com a nossa arte escrita (Ainda existe, infelizmente).
A leitura do livro de Rubem Fonseca foi um nocaute. Nunca havia lido algo tão explícito. Com seu estilo direto e nada formal marcado por um cotidiano violento, às vezes gratuito, mostrava o submundo do crime, as mazelas humanas. Na narrativa usava um vocabulário repleto de palavrões, cenas eróticas, além de descrever brutalidades e insanidades imagináveis (tudo isso você confere num único conto: O cobrador, de 1979). O escritor me conquistou logo nas primeiras páginas. Não que eu fosse sádico. Aquela forma de narrar nunca havia lido nos livros de literatura tradicional. Mas, nem todos gostaram deste estilo. Criticado pelos conservadores e ofendidos (ele não poupava ninguém) o livro Feliz Ano Novo (1975) foi censurado em 1976 sobre a alegação de atentado à moral e aos bons costumes, além de ser uma incitação à violência. Somente em 1980 liberaram a obra. Mas isso, não o abalou. Mesmo criticado viu com o passar dos anos alcançar um grande número de leitores.
Nesse sentido o escritor Tony Monti em sua pesquisa nos diz:
“A violência faz parte de uma série de práticas sociais. Ler relatos sobre agressões, semelhantes aos escritos por Rubem Fonseca, pode ser uma maneira de nos fazer experimentar a agressividade sem nos arriscarmos nas consequências da agressão na vida concreta.”
A verdade é que aquela realidade retratada em sua obra era a que eu vivia desde a infância: bruta e miserável. Naquela época, eu já me arriscava a rabiscar algumas estórias. Então tive a ideia: Por que não escrever a minha própria realidade?
A partir disso, busquei outros livros do autor. Agosto (1990) foi o segundo livro que li. E não parei mais. Sempre que visitava uma livraria (sempre gostei de ter minha própria coleção) eu buscava um inédito do autor. O único livro que não me cativou foi O Selvagem da Ópera (2011). Merece uma releitura.
Em sua bibliografia podemos citar vários livros de sucesso como: Feliz Ano Novo (1975), O cobrador (1979), Caso Morel (1973), A grande arte (1983), Agosto (1990). O último livro dele foi Carne Crua (2018).

A criatividade do autor nos presenteou com personagens inesquecíveis como o criminalista Mandrake do livro A grande arte (1983), o poeta assassino em O Cobrador (Quem deve quem???), o assassino profissional em O seminarista (Que no seu código de honra não matava anão).
Mesclou conflitos sérios, absurdos e hilários (Leia o conto O Bordado, do livro Pequenas Criaturas, pois nunca ri tanto na vida).
Seus diálogos, afiados e infalíveis, com o passar dos anos, muitos de seus fãs o denominaram como o Tarantino brasileiro (Quentin Tarantino, grande roteirista e diretor de filmes americanos).
E cito algumas de suas frases memoráveis:
“Eu sempre vivo dizendo: escrevo para me vingar.”
“Adote um animal selvagem e mate um homem”.
“Quando a dor é muito grande o sofrimento é silencioso.”
“Um ladrão é considerado um pouco mais perigoso do que um artista.”
“Para seu inimigo não deseje o mal, planeje-o.”
“Não existem coisas erradas e coisas certas, é tudo a mesma merda.”
“Rir é bom, mas pode foder a vida de uma pessoa.”
“Escrever foi a mais agoniante de todas as lutas que enfrentei.”
“Quando não se tem dinheiro é bom ter músculos e ódio.”
“Ler nos torna melhores, permite que a gente entenda melhor o outro e a nós mesmos.”
Diferente dos escritores atuais, Rubem Fonseca teve uma vida reclusa. Em relato recente a escritora Nélida Pinõn revelou ele era uma pessoa muito educada, diferente daquilo que escrevia em suas ficções (mentir é a arte do ficcionista), onde não se intimidava em mostrar todo o abismo da maldade humana.
Para nós que não o conhecíamos em pessoa física, continuará sempre vivo, pois as letras não morrem, se eternizam. Por gerações e gerações.
Muito obrigado pela ótima companhia nestes últimos trinta anos.
Vai em paz, mestre!!!

Foto: Do autor