Angu com couve

Por Toni Ramos Gonçalves

“A orfandade é mais terrível que a pobreza.” Miguel Sanches Neto

A última vez que estive com minha mãe, eu tinha dezessete anos, era fim de tarde e retornava do trabalho. Convenci o porteiro do hospital a me deixar entrar, uma vez que não o fiz no horário de visita.

Ela me recebeu, com um leve sorriso e a mesma esperança:

“Trouxe cigarros?”

“Não, mãe. O médico proibiu, lembra?”, respondi sentando-me na beira da cama, onde ela instantaneamente passou os dedos entre meus cabelos encaracolados e pelo meu rosto queimado pelo sol.

“Quero ir embora. Quero comer angu com couve. Saudade de minha comida.”

Fazia vinte e dois dias que estava internada por causa de um derrame. Adoeceu no dia de seu aniversário de trinta e cinco anos. Desmaiou na casa da vizinha, que a socorreu levando-a ao hospital. O atendimento só foi realizado dez horas depois do ocorrido.

“O médico deve dar alta em breve, a senhora vai ver”, assim eu pensava e me iludia, mesmo depois do médico dar o diagnóstico e revelar a gravidade da doença na noite da internação para mim e minha irmã, de apenas catorze anos.

Ficamos ali, mãe e filho, de mãos dadas por alguns minutos num silêncio cúmplice. Era frio o quarto do hospital. Olhei para os lados e vi os outros dois leitos ocupados e as enfermas dormiam.

“Cadê aquela senhora que estava aqui ontem, mãe?”

Ela olhou para o lado esquerdo.

“Morreu hoje cedo. E colocaram essa outra aí.”

Olhei para minha mãe e vi uma tristeza imensa em seu semblante, e seus olhos umedeceram logo em seguida.

“Chora não, mãe”, disse acariciando seus cabelos e abraçando-a por alguns minutos. Naquele instante tive certeza da morte e me senti paralisado. Aproximei e lhe dei um abraço, e receber seu abraço era o que mais precisava. Desejava que aquele momento não terminasse nunca.

“Mãe, tenho que ir”, disse em seguida.

Ela me fitou ainda segurando minha mão e me fez o mesmo pedido das outras visitas.

“Não brigue com sua irmã.”

“Tá mãe, pode deixar.” Beijei seu rosto, algo muito incomum para mim e me afastei sem olhar para trás. No corredor, eu já estava aos prantos. Chorei todo trajeto para casa. Nunca mais vi minha mãe viva. Arrependo de não ter prolongado mais aqueles minutos finais.

No dia seguinte, às 14h20min, ela faleceu. Minha irmã ligou do hospital avisando. Agora, passado três décadas, eu com os cabelos já grisalhos, ainda carrego comigo essa lembrança. Na época, a vida que já era difícil, por ser filho de mãe solteira, tornou-se ainda pior. Morei com avó, tia, até reencontrar meu caminho. Foi uma difícil jornada. Nos anos seguintes, casei com uma mulher linda e maravilhosa, tive dois filhos que muito me orgulham, além de ter um cão companheiro enquanto escrevo meus textos. A vida é assim, temos que seguir em frente, sempre.

Amanhã é o dia das mães. Tem muito tempo que ela se foi. Bateu a saudade, com força, confesso. Ela sempre será jovem em minhas lembranças. Vou convidar minha irmã para um almoço em família, é preciso. Que lasanha que nada! Vou mudar o cardápio e pedir um angu com couve… Ah, vou sim!

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